GRUPO
I
"O homem comum se deixa viver, mais do que vive. Aceita a vida tal como ela se
apresenta e não se preocupa com os problemas de seu significado, seu valor ou
seu propósito; dedica-se à satisfação de seus desejos pessoais; busca tão-só a
gratificação dos sentidos e empenha-se em enriquecer e satisfazer suas ambições.
Se for mais maduro, subordina sua satisfação pessoal ao cumprimento de várias
obrigações familiares e sociais que lhe cabem, sem se dar ao trabalho de
entender em que bases essas obrigações assentam ou de que fonte promanam.
Possivelmente, considera-se 'religioso' e crente em Deus, mas sua religião é
exterior e convencional, e quando se acomodou aos preceitos de sua igreja e
participou de seus ritos acha que fez tudo o que lhe era pedido. Em suma,
acredita implicitamente que a única realidade é a do mundo físico que pode ver
e tocar e, portanto, está fortemente ligado a bens terrenos, aos quais atribui
um valor positivo; assim considera praticamente esta vida um fim em si mesma. A
sua crença num futuro 'céu', se porventura concebe a existência de um, é inteiramente
teórica e acadêmica, como se prova pelo fato de que realiza os maiores esforços
para adiar o mais possível sua viagem para as alegrias celestes.
GRUPO
II
"Mas
pode acontecer" – prossegue o Dr. Assagioli – "que esse 'homem comum' seja
surpreendido e perturbado por uma mudança – súbita ou lenta – em sua vida
interior. Isso é suscetível de ocorrer após uma série de desapontamentos; não
raras vezes, depois de algum choque emocional, como a perda de um parente amado
ou de um amigo muito querido. Mas, outras vezes, ocorre sem qualquer causa
aparente e em plena fruição de saúde e riqueza. A mudança inicia-se com um
sentimento de insatisfação, com uma sensação de 'vazio', mas não à falta de
algo material e definido; é algo vago e impalpável, que ele é incapaz de
descrever. Some-se a isso, gradualmente, um sentimento de irrealidade e
vacuidade da vida ordinária; todos os assuntos pessoais, que antes absorviam a
maior parte de sua atenção e interesse, parecem recuar, psicologicamente, para
segundo plano e perder toda a sua importância e valor. Surgem novos problemas.
O indivíduo começa indagando-se sobre a origem e o propósito da vida;
perguntando-se qual a razão de tantas coisas que ele antes considerava
axiomáticas; questionando, por exemplo, o significado de seus próprios
sofrimentos e os dos outros, e que justificação pode existir para tantas
desigualdades nos destinos dos homens. Quando um homem atingiu esse ponto, é
capaz de entender e interpretar erroneamente sua condição. Muitos que não
compreendem o significado desses novos estados de espírito consideram-nos
fantasias ou excentricidades anormais. Alarmados com a possibilidade de
desequilíbrio mental, empenham-se em combatê-las de várias maneiras, realizando
esforços frenéticos para se religarem à 'realidade' da vida ordinária que
parece estar fugindo deles. Frequentemente, lançam-se com redobrado ardor num
torvelinho de atividades externas, procurando sempre novas ocupações, novos
estímulos e novas sensações. Por esses e outros expedientes, eles podem obter
êxito durante algum tempo e aliviar a condição perturbada, mas são incapazes de
livrar-se dela completamente. Ela continuará fermentando nas profundezas do seu
ser, minando os alicerces de sua existência ordinária e, por conseguinte, será
capaz de irromper de novo, talvez após um longo intervalo, com redobrada
intensidade. O estado de inquietação e agitação torna-se cada vez mais doloroso
e a sensação de vazio interior mais intolerável. O indivíduo sente-se perplexo,
a maioria das coisas que constituíam sua vida parece agora terem-se dissipado
como um sonho, sem que uma nova luz tenha ainda surgido.
ASSAGIOLI,
Roberto. Psicossíntese - manual de princípios e técnicas. São Paulo: Cultrix,
1997, p. 54-6.