
Há mais de uma década, venho afirmando que, se nós não agirmos de forma civilizada através do diálogo enquanto é tempo, nossos filhos e netos irão agir com a mentalidade das cavernas e valendo-se dos recursos do século XXI.
Meu raciocínio era e é simples. Pessoas criadas na pobreza aceitam qualquer migalha para sobreviver (inclusive, obviamente, cestas básicas nas eleições!). Podem ser controlados através de bolsas-família, futebol e carnaval. Segundo Aldous Huxley (1937), elas “desconhecem outro estado de vida senão o que é intolerável, não têm consciência de que o seu quinhão pode ser melhorado”.
Mas os jovens que nasceram e estão sendo educados em melhores condições de vida jamais aceitarão passivamente viver desempregados, em cortiços e andar de ônibus, enquanto, por exemplo, políticos corruptos e pessoas que se enriquecem tangenciando a lei pratiquem um ególatra autoestima, morem em mansões e desfilem em carrões. Eles vão exigir os mesmos benefícios, e isso é o que está acontecendo em Londres.
Em entrevista em O Globo deste sábado (13.08.11), o sociólogo polonês Zygmunt Bauman confirma, infelizmente, que minha futurologia de botequim estava correta. “Sociólogo vê nos distúrbios uma tentativa de jovens de classes baixas imitarem os da elite”, escreveu o jornal.
As palavras de Bauman merecem ser decoradas por políticos, governantes, professores, padres, pastores, pais e todas as pessoas que, honestamente, se preocupam com o futuro do país e de Muriaé. Eis transcrição parcial de sua brilhante entrevista:
Esses distúrbios eram uma explosão pronta para acontecer a qualquer momento. É como um campo minado: sabemos que alguns dos explosivos cumprirão sua natureza, só não se sabe como e quando. Num campo minado social (qualquer semelhança com a nossa Praça João Pinheiro à noite não é mera coincidência!), porém, a explosão se propaga, ainda mais com os avanços das tecnologias de comunicação. Tais explosões são uma combinação de desigualdade social e consumismo. Não estamos falando de uma revolta de gente miserável ou faminta de minorias étnicas e religiosas reprimidas. Foi um motim de consumidores excluídos e frustrados.
Estamos falando de pessoas humilhadas por aquilo que, na opinião delas, é um desfile de riquezas às quais não tem acesso (tudo a ver com os carrões que desfilam nas cidades!). Todos nós somos coagidos e seduzidos para ver o consumismo como uma receita para uma boa vida e a principal solução para os problemas. O problema é que a receita está além do alcance de boa parte da população (no Brasil, trata-se da maioria da população!).
O governo britânico está mais uma vez equivocado. Assim como foi errado injetar dinheiro nos bancos na época do abalo global para que tudo voltasse ao normal (...) as autoridades agora querem conter o motim dos humilhados sem realmente atacar suas causas. (...) A única solução é uma mudança cultural e uma série de reformas sociais.
“Mais problemas são inevitáveis, então?”, pergunta o entrevistador. Bauman responde:
Enquanto não repensarmos a maneira como medimos o bem-estar, sim. A busca da felicidade não deve ser atrelada a indicadores de riqueza, pois isso apenas resulta numa erosão do espírito comunitário em prol de competição e egoísmo. A prosperidade hoje em dia está sendo medida em termos de produção material (praticamente nada em termos psicológicos e verdadeiramente espirituais!), e isso só tende a criar mais problemas em sociedades em que a desigualdade está em crescimento, como no Reino Unido (ou em locais em que a desigualdade já se encontra tradicionalmente instalada, conforme ocorre no Brasil!).
Considerando que estamos falando da terra de Shakespeare, uma cultura secular de “Sirs” e “Ladies”, os últimos acontecimentos são extremamente preocupantes. Numa economia globalizada, acreditar que o Brasil (e, obviamente, os municípios!) estarão eternamente blindados contra crises é uma tremenda infantilidade. A verdadeira blindagem contra crises está na mudança de “comportamento de cada cidadão, porque uma sociedade só se modifica quando os indivíduos que a compõem se modificam”. Principalmente, quando passam a participar da gestão dos negócios públicos!
Mas será que a mentalidade dos londrinos não mudou nada nos últimos séculos? Ou será que o desespero gerado pela crise econômica, desemprego e falta de perspectivas os está tornando irracionais? Qual seria a reação dos jovens brasileiros? Ancelmo Gois (O Globo de 25.04.07) noticiou:
Em 40 dias, morreram oito jovens entre 18 e 23 anos em Valença, RJ. Um foi morto. sete se suicidaram. As autoridades atribuem ao clima de desesperança da juventude da cidade, que sofre com falta de emprego e alcoolismo.
Como interpretar tal notícia? Será que os jovens ingleses estão programados para reagir, mesmo que de forma irracional, enquanto que, aqui no Brasil, nossos filhos estão programados para se suicidarem?
Por que não agimos de forma racional e civilizada enquanto é tempo? Diversas leis estão aí nos convocando. Por exemplo, a Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade) diz que as cidades devem ser administradas de forma democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade. E, no momento, a presidente Dilma Rousseff (parabéns!) está nos convocando para participar da 1ª CONFERÊNCIA NACIONAL SOBRE TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL, uma inédita oportunidade de os brasileiros contribuírem para a moralização da administração pública no Brasil.
Que tal começar a participar assinando o abaixo-assinado que se encontra disponível em: http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N13101?