Estou parado na porta do Edifício Prata. Um antigo conhecido, que vende biscoitos na rua, passa e me pergunta:
— Anacleto, você continua escrevendo nos jornais?
Ele ameaça uma paradinha, e eu respondo:
Ele ameaça uma paradinha, e eu respondo:
— Nem sempre eles publicam o que eu escrevo.
Curto e grosso, sem se deter, ele exclamou:
— Eles gostam de ficar debaixo do balaio.
Ao vê-lo afastar-se carregando o saco de biscoitos, filosofei comigo mesmo: Ele tem mais liberdade de expressão que a maioria das pessoas, pois não está preocupado em ser demitido do emprego; com uma possível devassa fiscal em suas vendas de biscoitos; com a perda de clientes; se vai ser convidado para a próxima festa ou se estará nas colunas sociais dos jornais da semana. Será que a perda da liberdade de expressão é o preço que as pessoas devem pagar para se tornarem bem sucedidas na vida?
Como sempre digo, minhas reflexões certamente não são minhas. Elas partem de leituras que se encontram arquivadas em meu inconsciente. Por exemplo, neste caso específico, ocorreu-me lembrar do que escreveu Erich Fromm no livro “Análise do homem” (Zahar Editores), p.69:
Como o homem moderno se sente ao mesmo tempo como o vendedor e a mercadoria a ser vendida no mercado, sua auto-estima depende de condições que escapam a seu controle. Se ele tiver sucesso, será “valioso”; se não, imprestável. O grau de insegurança daí resultante dificilmente poderá ser exagerado. Se a pessoa acha que seu próprio valor não é constituído primordialmente por suas qualidades humanas, e sim pelo seu sucesso em um mercado competitivo com condições em constante modificação, sua auto-estima provavelmente será pouco sólida e precisará constantemente de ser confirmada pelas outras pessoas. Por isso, a pessoa é compelida a lutar incessantemente pelo sucesso, e qualquer retrocesso é uma grave ameaça à sua estima própria: o resultado disso são sentimentos de incapacidade, insegurança e inferioridade. Se as vicissitudes do mercado são os juízes do valor da gente, desaparece o sentimento de dignidade e brio. (grifo do Anacleto)