A Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade) e a Lei complementar nº 101/00 (Lei de responsabilidade fiscal) exigem que as cidades sejam administradas de forma democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade. A participação da sociedade é garantida através de conselhos, conferências, debates, consultas e audiências públicas.
O problema é que os conselhos ficam somente no papel, e as conferências e audiências públicas não contam com a participação da população. Por exemplo, a audiência pública destinada a aprovar contas e avaliar relatórios de metas fiscais realizada em 23.02.11, no recinto da Câmara Municipal, contou com a presença de apenas 4 (quatro) cidadãos. E a audiência pública sobre a LOA 2012, realizada pelo Poder Executivo, em 13.09.11, teve aproximadamente 20 (vinte) participantes, sendo que a quase totalidade dos presentes eram funcionários do Poder Executivo (imagem acima).
A participação popular é requisito constitucional para a elaboração e aprovação de determinadas leis, tais como Plano Diretor, PPA, LDO e LOA. Assim sendo, a constitucionalidade de tais leis pode ser questionada em juízo, se a exigência legal não for plenamente atendida. Em sentença de agosto de 2010, o Juiz Marcos Porta suspendeu a revisão do Plano Diretor de São Paulo por falta de participação popular. Através do ofício de 12.07.11, a 5ª Promotoria de Justiça da Comarca de Muriaé solicitou ao MPMG a adoção de providências para declarar a inconstitucionalidade do Orçamento de Muriaé relativo ao exercício de 2011, que foi aprovado sem o parecer prévio do Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento - COMUPLAN.
Em que pesem minhas insistentes pesquisas, até o momento, não encontrei uma solução para tal problema. Basicamente, temos duas questões:
a) numa cidade com mais de 86 mil eleitores, quando uma conferência, debate, consulta ou audiência pública atende plenamente ao princípio constitucional da participação popular?
De acordo com o Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001, p. 51), “o que deve ser considerado é se foi alcançado o objetivo de possibilitar uma ampla participação dos diversos segmentos da sociedade e das comunidades...”; e
b) como proceder para que a população – especialmente vereadores, conselheiros municipais, líderes políticos, representantes dos órgãos de classe (OAB, CREA, etc.), associações (CDL, ACIM, Moradores de Bairros), sindicatos, movimentos sociais, entidades religiosas e imprensa – participe das conferências, debates, consultas e audiências públicas?
Está claro que esse estado de coisas não pode permanecer eternamente, pois é inadmissível que as cidades continuem a ser administradas com base em leis que podem ter sua constitucionalidade questionada em juízo a qualquer momento (Inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal). Desse modo, se meus pressupostos estiverem corretos, o tema merece ser analisado por especialistas, principalmente pelas Procuradorias Jurídicas dos Poderes Executivo e Legislativo, pela OAB (que tem representantes no COMUPLAN) e pelo Ministério Público (que tem o dever constitucional de zelar pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis).