15/02/2011

DESPERTAR

Nesta semana, acompanhei um amigo numa consulta médica. Enquanto esperávamos o atendimento, “tentei” ficar acordado, ou seja, permanecer consciente. Em nossa frente se encontrava um bebedouro, aquele do garrafão de água mineral. A seu lado, achavam-se pendurados os copos de plástico, e, na parede, logo acima do garrafão, um aviso de prevenção contra a dengue. Dentre as informações, constava uma, mais ou menos, nos termos seguintes: APÓS USAR O COPO, AMASSE-O E JOGUE NA LIXEIRA.
Não resisti, automaticamente, dei uma olhada na lixeira e verifiquei que nela se encontravam vários copos, todos intactos, “arrumadinhos um dentro do outro”. A constatação não me causou surpresa, pois saber e fazer são coisas distintas. Inúmeras pessoas fumam, apesar de estarem cansados de saber que fumar faz mal à saúde física e à do bolso!
Como não estava fazendo nada, resolvi ficar observando para ver se algum “iluminado” amassaria o copo. A primeira “vítima” foi meu próprio amigo. Dirigiu-se ao bebedouro, perguntou-me se eu aceitava água, bebeu e colocou o copo – sem amassar – num dos dois conjuntos que se iam formando dentro da lixeira.
O próximo foi um profissional da saúde – presumi, pois estava todo de branco. Seu comportamento foi idêntico ao do meu amigo. Passados alguns minutos, um jovem – também vestido de branco – bebeu tranquilamente sua água e, como os anteriores, depositou o seu copo num dos conjuntos “arrumadinhos” que se encontravam na lixeira. Houve ainda uma senhora que se serviu e saiu andando; não sei se ela amassou o copo.
Fiquei preocupado e comecei a filosofar. Por que aquelas pessoas – inclusive meu amigo – não adotaram um elementar comportamento de prevenção contra a dengue? Será que, em outras circunstâncias, eu teria amassado o copo? Que dizer de outros comportamentos mais complexos? Complexos não somente com relação à dengue, mas complexos, especialmente, com relação a outros aspectos de nossas vidas. Será que não adotamos certos comportamentos porque vivemos no “piloto automático” ou, mesmo quando “acordados”, estamos “dormindo”?
Vejamos um exemplo. É freqüente o motorista chegar a Leopoldina e não se recordar de ter passado no quebra-molas de Laranjal. Neste caso, o motorista estava “acordado” ou “dormindo” quando passou por Laranjal? Quando fisicamente estamos num local, mas nossos pensamentos se encontram distantes – no passado ou no futuro –, podemos afirmar que estamos vivendo?
É certamente por isso que os espiritualistas afirmam que, quando você não se encontra acordado, ou seja, presente de corpo e alma no aqui e agora, você se acha afastado de Deus. E não é à-toa que a Doutrina Zen recomenda que, quando estiver comendo, apenas coma; quando estiver amando, apenas ame; e, quando estiver andando, apenas ande – e não sai rezando o terço simultaneamente!
Deixei o amigo esperando no consultório e fui às compras, como sói acontecer (há anos, não me recordava dessa expressão!) com a maioria dos mortais. Entrei numa dessas lojas que vendem balas e biscoitos. Ao me aproximar do caixa, não pude deixar de escutar o diálogo entre a atendente e duas colegas.
— Mil vezes mexer com animais; não quero nem saber de mexer com gente – exclamou uma.
— Estou de “saco cheio” de mexer com gente – acrescentou a atendente bem na minha frente.
A terceira – que se encontrava vestida de branco – reforçou, com ênfase, o que diziam suas colegas, mas perguntou: “que fazer”?
Paguei a conta e saí. Saí, mas não saí, fui carregando aquele papo na mente! E logo começaram a surgir as associações mentais. Lembrei-me de ter lido em algum lugar – provavelmente nas obras do Mestre Osho – que, para o nosso crescimento espiritual, em certos aspectos, relacionar-se com animais é melhor do que relacionar-se com pessoas.
Segundo ele, os animais se encontram mais próximos de Deus do que as pessoas, porque, inconscientes de suas individualidades, eles não têm egos (personalidades). Portanto, ao nos relacionarmos com animais, estamos nos relacionando com parcelas das divindades (almas), enquanto que, ao nos relacionarmos com as pessoas, estamos nos relacionando muito mais com as ficções de egos (personalidades) do que com as realidades divinas (almas) que se encontram “soterradas” dentro de cada um.
Na viagem de retorno a Muriaé, não resisti, falei com o amigo sobre minhas observações e lhe perguntei por que ele não tinha amassado o copo. Ele riu; disse-me que sabia da importância de se amassarem os copos plásticos, mas não havia lido o aviso que se encontrava afixado na parede.
Por que aquelas pessoas não amassaram os copos, e por que não leram o aviso? A resposta é elementar, diria Sherlock Holmes: simplesmente porque todas elas estavam “dormindo”, isto é, beberam água no “piloto automático”, e, inconscientes, como robôs, foram empilhando os copos “arrumadinhos” na lixeira.
As conseqüências de não estarmos conscientes de nossos atos com relação à dengue são graves, mas muito mais grave ainda é não estarmos conscientes de que, a todo o momento, estamos sobrecarregando nossas mentes com inúmeras informações inúteis ou prejudiciais ao nosso desenvolvimento humano. Refiro-me aos “lixos da vida” que, por distrair ou reforçar nossos egos (personalidades) nos afastam de Deus e, conseqüentemente, tornam nossa autêntica felicidade mais distante a cada dia.