MOVIMENTO RIO NOSSO: MAIS UM PASSO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA
Representantes do Movimento Rio Nosso protocolaram, na tarde de hoje, no Ministério Público, documentação requerendo que se apure “DENÚNCIA contra a Prefeitura Municipal de Muriaé, Câmara Municipal de Muriaé e Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento – COMUPLAN”, por Irregularidades no encaminhamento e aprovação do Orçamento Anual do Município para o exercício de 2011.
O documento ora protocolado é acompanhado de 21 assinaturas de cidadãos e cidadãs que entendem estar cumprindo um dever de cidadania.
FONTE: www.eliasmuratori.com.br
Muriaé (MG), 15 de dezembro de 2010
Ilustre Promotor.
DENÚNCIA DE IRREGULARIDADE
contra as instituições seguintes: Prefeitura Municipal de Muriaé (MG), Câmara Municipal de Muriaé (MG), e Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento – COMUPLAN.
2. O Orçamento Anual do Município para o exercício de 2011 foi remetido pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo SEM o devido parecer prévio do Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento – COMUPLAN. Em reunião de 06.12.10, o orçamento foi aprovado, indevidamente, pela Câmara de Vereadores, considerando que o § 1º do art. 50 da Lei Municipal nº 3.377/06 é taxativo:
Os projetos de lei do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Anual encaminhados à Câmara Municipal serão acompanhados de parecer prévio do Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento.
3. Desse modo, com base no art. 127 da Constituição Federal, solicitamos-lhe a gentileza de adotar as medidas legais necessárias para:
a) tornar SEM EFEITO o Orçamento Anual relativo a 2011, aprovado pela Câmara Municipal em 06.12.10; e
b) fazer com que as instituições denunciadas cumpram, no mínimo, o § 1º do art. 50 da Lei Municipal nº 3.377/06, acima transcrito.
4. Impende-nos ressalvar que as decisões do COMUPLAN são feitas mediante resolução aprovada por maioria simples dos presentes (Art. 7º do Decreto nº 3.101/06). Tendo em vista a importância do Orçamento Anual para o município, consideramos essencial que o parecer prévio seja:
a) emitido com base em documentos técnicos elaborados pelos membros dos Comitês Técnicos previstos no art. 4º do Decreto nº 3.101/06; e
b) referendado pelos representantes da sociedade civil indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CREA.
5. Nossa preocupação é procedente, porquanto, na última reunião do Conselho de 19 (dezenove) membros, segundo consta, somente 9 (nove) estiveram presentes. Um parecer prévio de tamanha envergadura que espelhe realmente os anseios e as necessidades do povo no Orçamento do Município exige, além de sólidos conhecimentos específicos, abnegado esforço conjunto da totalidade dos membros – quorum passível de ser observado, haja vista que todos os titulares têm os seus respectivos suplentes.
6. Acrescentamos que o dispositivo legal não cumprido traz em si toda a filosofia do processo de gestão democrática inaugurado pela Lei Federal nº 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade, considerando que o COMUPLAN representa a sociedade civil no Poder Executivo. Levando-se em conta que, além disso, o Plano Diretor é o instrumento básico da administração do município (Art. 182 da Constituição Federal), também se tornam pertinentes na presente denúncia os tópicos seguintes constantes do Estatuto:
§ 3º do art. 4º:
Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.
§ 1º do art. 40:
O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.
§ 4º do art. 40:
No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: (i) a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; (ii) a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; e (iii) o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.
Art. 43:
Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: (i) órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal (é o caso específico do COMUPLAN); (ii) debates, audiências e consultas públicas; (iii) conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; e (iv) iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
7. Lamentavelmente, a inobservância do § 1º do art. 50 da Lei nº 3.377/06 é apenas uma das graves irregularidades que vem ocorrendo na gestão de nosso município. Outras podem ser citadas, algumas até mais relevantes. Vejamos alguns exemplos.
8. O Plano Diretor do Município, instituído pela Lei nº 3.377/06, foi elaborado e vem sendo executado sem a participação da população. Contrariou e está contrariando, portanto, o princípio constitucional da participação popular que levou a justiça de São Paulo a suspender a revisão do Plano Diretor daquela capital. Na sentença, o Exmo. Sr. Juiz, Dr. Marcos Porta, salienta que
a gestão democrática impõe à municipalidade que, do início até o término dos trabalhos do Plano Diretor, realize campanhas massivas de conscientização e convocação dos munícipes, não só para audiências públicas, mas sim, PARA PROMOVER A SUA DEVIDA PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO COMO UM TODO.
9. O fato de a elaboração do Plano Diretor não ter contado com AMPLA participação da população está tacitamente reconhecido no Ofício N.PJ. 130/2010, de.20.10.10, da Procuradoria Jurídica do Município (copia anexa).
10. Ademais, o Plano Diretor não prioriza as classes marginalizadas e, conforme consta do Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001, p. 45):
a política de desenvolvimento urbano estabelecida pelo Município no Plano Diretor, que não tiver como prioridade atender as necessidades essenciais da população marginalizada e excluída das cidades, estará em pleno conflito com as normas constitucionais norteadoras da política urbana, com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, em especial com o princípio internacional do desenvolvimento sustentável.
11. O § 2º do art. 50 da Lei nº 3.377/06 determina que “Os instrumentos que requeiram dispêndio de recursos por parte do poder público municipal deverão, quando da sua aplicação, ser submetidos à aprovação do Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento”. Tal dispositivo – que também não vem sendo cumprido – tem como referência o § 3º do art. 4º da Lei nº 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade, seguinte:
Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.
12. Não há transparência nos negócios públicos, portanto, o processo de gestão democrática – se é que existe – encontra-se mortalmente ferido. Eis outros dispositivos contrariados:
Art. 48 da LC nº 101/0:
São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
Inciso II do parágrafo único do art. 48 da LC 101/00:
Liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; Redação alterada p/LC 131/2009.
13. Especificamente quanto ao COMUPLAN, pode-se afirmar, com segurança, que se trata de um arremedo de conselho. Desse modo, a participação da população – ou seja, a parceria entre a sociedade civil e o Poder Executivo, conforme previsto no Estatuto da Cidade – acha-se totalmente comprometida ou mesmo inexistente. Neste tópico, as perguntas seguintes são pertinentes:
a) onde está funcionando o Conselho, ou seja, onde os seus membros estão desempenhando suas inúmeras atribuições, e onde a população pode apresentar-lhes os seus anseios e as suas necessidades?
b) de suas inúmeras atribuições (Art. 2º do Decreto nº 3.101/06), “o que já foi realizado”, “o que está sendo realizado” e “o que será realizado nos próximos meses”?
c) existe independência nas decisões do Conselho, tendo em vista que o Presidente e o respectivo Suplente são os Secretários de Atividades Urbanas e de Administração, ambos nomeados pelo Chefe do Poder Executivo e a ele subordinados (Art. 5º do decreto mencionado)?
d) Onde estão sendo divulgadas as suas decisões, os seus trabalhos e, especialmente, as atas de suas reuniões, conforme prevê o inciso XIV do art. 2º do Decreto nº 3.101/06?
14. O § 1º do art. 40 da Lei nº 10.257/01 estabelece que o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Orçamento Anual (LOA) devem incorporar as diretrizes e prioridades do Plano Diretor. Contrariando leis, as informações relativas a tais instrumentos não são divulgadas, mas, à vista das circunstâncias, pode-se afirmar, com relativa segurança, que a coerência entre esses instrumentos de planejamento e gestão não vem sendo observada. É muito provável que cada um esteja “atirando” para lados diferenciados, de acordo com os interesses das lideranças que se encontram no poder e com as circunstâncias de cada momento.
15. O prazo de revisão das leis previsto no parágrafo único do art. 51 da Lei nº 3.377/06, venceu-se em 17.10.07, mas, até a presente data, as revisões não foram realizadas. As leis se referem a: Perímetro Urbano; Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo; Código de Posturas; Código de Obras; Código Tributário; Código Ambiental e a Agenda 21 Local.
16. O Fórum de Acompanhamento do Plano Diretor e a Conferência Municipal de Desenvolvimento previstos para o segundo semestre de 2007 e primeiro semestre de 2009 (Inciso XII do art. 2° e parágrafo único do art. 15 do Decreto nº 3.101/06) nunca foram realizados. E os membros do COMUPLAN nomeados e empossados de acordo com o Decreto nº 3.141/07 nunca se reuniram, em que pese ser atribuição do Presidente do Conselho “convocar e presidir as reuniões do colegiado” (Inciso I do art. 6º do Decreto nº 3.101/06).
17. As irregularidades mencionadas levaram a Câmara Municipal a aprovar, em setembro passado, por unanimidade, requerimento do Vereador, Sargento Joel (cópia anexa), solicitando ao Poder Executivo a revisão da Lei nº 3.377/06 – Plano Diretor de Muriaé. O pedido de revisão foi negado através do evasivo ofício acima mencionado, assinado pela Senhora Procuradora Jurídica do Município, e não pelo Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal.
18. Conforme se observa, Senhor Promotor, não se trata apenas de reparar uma grave falha. Trata-se, também, de evitar que outras falhas persistam e novas falhas venham acontecer no futuro. Nesse sentido, estamos nos referindo, principalmente, aos aspectos disciplinares e pedagógicos dos dispositivos legais seguintes:
Lei nº 10.257/01 - Estatuto da Cidade:
Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, quando: impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4º do art. 40 desta Lei (Inciso VI, do art. 52).
Lei nº 8.429/92 – Improbidade Administrativa:
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício (Inciso II do art. 11).
Lei Municipal nº 3.824/09 (Estatuto dos Servidores Públicos Municipais de Muriaé):
O servidor público municipal responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições (Art. 139); e
A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função (Art. 141).
19. Que omissões ocorreram não se discute, porque, afora o princípio legal de que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, informalmente, todas as instituições envolvidas foram alertadas para a exigência do parecer prévio no Orçamento Anual, conforme e-mails e matérias correspondentes divulgadas em blogs locais (cópias anexas). Resta, portanto, decidir se a omissão do parecer prévio do COMUPLAN no Orçamento Anual se enquadra em, pelo menos, uma das condições seguintes:
a) “impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4º do art. 40 desta Lei”;
b) “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”;
c) “ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função”.
20. Conscientes de estarmos cumprindo um dever de cidadania, ratificamos a solicitação feita no item 3 e pedimos sua especial atenção para as ressalvas constantes dos itens 4 e 5 deste expediente. Quanto a possíveis providências disciplinares e pedagógicas, em que pese a triste realidade das falhas e a clareza dos normativos (Itens 18 e 19), esse Ministério Público melhor o dirá, ponderando, certamente, os anseios e as necessidades da população – em especial, das classes marginalizadas –, de acordo com as suas atribuições de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.
Colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais porventura necessários e valemo-nos da oportunidade para reiterar nossos protestos de estima e consideração.
Muriaé (MG), 15 de dezembro de 2010
(ASSINATURAS EM ANEXOS)
Ao
Ilustríssimo Doutor
FÁBIO RODRIGUES LAURIANO
DD. Promotor de Justiça
Muriaé (MG)