15/11/2010

PLANO DIRETOR: UMA PARCERIA DIVINA

Neste fim de semana, a providência divina colocou em xeque os muriaeenses católicos no que se refere ao Plano Diretor da cidade que está sendo elaborado pela prefeitura. Até então, apesar de o Plano Diretor ser a mais importante lei do município, perdendo apenas para a Lei Orgânica, a população não estava demonstrando o mínimo interesse por sua elaboração.

A prova disso é que quase nada vem sendo dito a respeito pelo Executivo, pelo Legislativo, pela mídia e pelas pessoas. Os jornais que estão circulando hoje (24.06.06) não trazem, especificamente, uma linha sequer sobre o Plano Diretor. “Estamos vivendo nas escuras” como dizia o meu pai. Entretanto, não me dei por vencido. Lembrei-me das palavras de Cristo: “quem tem olhos que veja”. Alterei minha lente mental e imediatamente “captei a mensagem do amado Mestre”. Lá estava o seu recado com todas as letras na denúncia do Padre Francisco van Baars: “POLÊMICA COM A IGREJA-Pensei que a ditadura já tivesse acabado” (Folha do Sudeste, 23.06.06). Provavelmente sem saber, o Padre Francisco estava se referindo diretamente ao Plano Diretor. Não somente por se tratar do patrimônio histórico da cidade, mas principalmente por abordar de forma clara e direta um dos pontos nevrálgicos do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), isto é, a gestão democrática e participativa por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade. As expressões seguintes constantes da matéria são ilustrativas: Sem consulta antes [...] Ninguém pediu, ninguém foi consultado, simplesmente comunica-se e acabou [...] A decisão está tomada [...] Simplesmente foi decretado! Eu pensei que a ditadura já tinha acabado [...] É assim que trata o nosso povo em pleno século XXI?

Estou quase certo de que o Padre Francisco não sabe que o Plano Diretor é o principal instrumento da política de desenvolvimento urbano de nossa cidade. E tal política tem por objetivo o bem-estar da presente e futuras gerações, e deverá ser realizada mediante um planejamento democrático e participativo que priorize as classes mais pobres de nosso município. Se estivesse ciente de tudo isso, suas preocupações, certamente, aumentariam de forma exponencial, porquanto elas se estenderiam muito além do patrimônio histórico-cultural representado pela Matriz São Paulo e Grande Hotel Muriaé. Suas preocupações – como deve ocorrer com o Plano Diretor – iriam contemplar também o meio ambiente e especialmente o Rio Muriaé, o setor produtivo (indústria, comércio e prestação de serviços), o emprego e a renda, a moradia, o saneamento, a educação, a saúde, o transporte, a segurança, a cultura, o esporte e o lazer. Sem condições mínimas de sobrevivência deve ser difícil acreditar num Deus bom e justo. E sem educação, por exemplo, torna-se praticamente impossível compreender a essência dos ensinamentos de Cristo de maneira autônoma e racional, e, desse modo, seguir de forma consciente o seu caminho e a sua verdade.

Conforme tenho salientado em diversas oportunidades, todo o problema da gestão democrática, contudo, se encontra na falta de participação da população. Por questão de justiça, devemos reconhecer que a falta de participação é muito mais culpa de nosso comodismo do que dos próprios políticos e governantes. Nós entendemos que democracia é simplesmente votar de quatro em quatro anos e largar totalmente a gestão municipal nas mãos dos representantes eleitos. Está sobejamente comprovado, entretanto, que simplesmente convidar a população para participar de qualquer atividade ligada à administração municipal não surte os efeitos necessários. Conforme salienta Bordenave (1983), em grupos sociais não acostumados a participar, pode ser necessário induzi-los à participação.

Com a denúncia do Padre Francisco, surgem novas esperanças, porque com o imóvel da Igreja sendo ameaçado de ser administrado pelo poder público – entenda-se administrado de acordo com os interesses de políticos e governantes –, é provável que o Plano Diretor comece a fazer sentido para alguns muriaeenses por duas razões: a primeira é secular, ou seja, deste mundo. Se estão ameaçando o patrimônio da Igreja, podem ameaçar o meu patrimônio e os meus negócios. A segunda é transcendental. Como a grande maioria ainda acredita em inferno e purgatório, certamente vai pensar que, se não fizer nada para defender a casa de Deus, não vai para o céu. A respeito, como é de Seu estilo, Jesus foi categórico: Aquele, porém que me renegar diante dos homens, eu também o renegarei diante do meu Pai que está no céu (Mateus 10,33). E não zelar pelas coisas do Pai, obviamente é renegar as coisas do Filho! Como disse inicialmente, a providência divina colocou-nos, a todos os católicos muriaeenses, em xeque no que se refere ao Pano Diretor. Salvamos a casa de Deus -- ou seja, vamos nos preocupar em definir a situação da Matriz São Paulo no Plano Diretor -- mas não vamos nos preocupar como ficam a educação e a saúde de seus filhos? Como ficam a moradia e o saneamento? E o transporte, a segurança, o lazer, a cultura e o esporte?

Podemos também “não mexer com isso”. Deixem que os governantes e políticos tratem do Plano Diretor, porque, com o seu planejamento autoritário, tecnocrático e centralizado que vem sendo realizado há décadas, os municípios e o Brasil “estão indo muito bem”. Temos somente uma dívida de um trilhão de reais, e sacrificamos milhões de brasileiros para pagar juros anuais de 150 bilhões de reais. Mas tudo bem, nossos filhos saberão como resolver isso no futuro. Os acontecimentos recentes da cidade de São Paulo e a rotina do Iraque são “boas” ilustrações. Mas isso está tão distante. Nada disso vai acontecer aqui em Muriaé. Estamos “blindados”, sentados em frente à televisão e esperando o mundo se acabar. A propósito, não faltam investimentos para acabar com o mundo. Os gastos militares superaram um trilhão de dólares em 2005, isto é, mais de três bilhões de dólares por dia. Câncer e drogas somente atingem a família “dos outros”.  Vamos esquecer também a advertência de Cristo na parábola dos talentos (Mateus 25,14). A propósito, você já se perguntou quantos talentos Deus lhe deu quando o enviou a Terra? Muito obrigado, Padre Francisco. Desculpe-me por ter-me aventurado em sua área, mas as analogias do mundo moderno com os ensinamentos de Cristo são sempre atuais e gritantes. Será que o recado de Ralph Waldo Emerson era para mim: Quero ouvir você, mas o que você é grita tão alto em meus ouvidos que não consigo ouvir o que diz. Em tempos de Copa do Mundo, democraticamente você “ainda” tem o direito de pensar: Anacleto, vamos comemorar o “hexa” e não encha o saco!