11/11/2010

DROGAS, ÁLCOOL E REENCARNAÇÃO

Ontem, quinta-feira, como de costume, estive na El Shaday. A El Shaday é uma comunidade terapêutica voltada para a recuperação de alcoólatras e toxicômanos.
Na comunidade, acredita-se em Deus e trabalha-se basicamente com os ensinamentos do Novo Testamento, independentemente de credos e religiões professadas por residentes e colaboradores.
Conversamos sobre reencarnação, pois entendo que a crença, não apenas num Poder Superior, mas também no processo de reencarnar-se é fator decisivo para a recuperação dos dependentes. Acredito na reencarnação, mas não sou espírita. Além de vários estudiosos e pensadores, não necessariamente ligados à Doutrina Espírita, discuto com os residentes – alguns ouviram falar, outros não sabem nem o que é reencarnação -- algumas passagens do Novo Testamento.
Gosto de lhes pedir, inicialmente, que leiam o que Jesus disse em Mateus 5,48: “Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu”. Depois de me assegurar que todos entenderam o que significa o adjetivo per-feito – totalmente feito –, eu lhes pergunto se eles acham que é possível uma pessoa se tornar perfeita como é perfeito o nosso Pai que está no céu, numa única vida, ou seja, em aproximadamente 70 anos. Por suas histórias de vida, eles sentem na pele que se tornar perfeito em 70 anos é impossível.
Alguns, conforme lhes foi ensinado na infância, argumentam com a crença do purgatório. Outros alegam que, se acreditarmos honestamente, Deus vai perdoar nossos pecados.
No tocante aos primeiros, pergunto: a um branco, se ele sabe o que é ser negro; e a um negro, se ele sabe o que é ser branco. Desse modo, digo que a única forma de um branco aprender o que é ser negro – para poder se tornar perfeito – é sendo negro... E ninguém deve ser branco ou negro no purgatório. Além disso, sabedoria e perfeição não se adquirem em livros e bancos escolares, pois, se assim fosse, seria impossível analfabetos se tornarem perfeitos e ingressarem no Reino de Deus. Além do mais, existem pedofilias e esquartejamentos praticados por pessoas altamente escolarizadas.
Aos segundos – àqueles que acreditam que Deus vai perdoar os pecados deles e, assim, eles ingressarão no Paraíso, conforme ocorreu com o ladrão que foi crucificado ao lado de Jesus –, eu pergunto: Se eu perdoar a alguém uma dívida de cem reais, ele se tornará um “perfeito” pagador? “Certamente que não”, responde a maioria. Desse modo, vocês acham que irão para o Paraíso se Deus perdoar os seus pecados, mesmo vocês não se modificando, não se tornando como criança conforme disse Jesus, e, portanto, permanecendo imperfeitos? Deus vai deixar vocês poluírem o Paraíso Dele com as suas imperfeições? Acrescento que, no meu entender, Jesus disse que o ladrão estaria com Ele no Paraíso, porque Jesus pode ler a mente e o coração das pessoas e, desse modo, sabia que o ladrão já havia se tornado como criança, e talvez estivesse sendo ali crucificado tão injustamente quanto o próprio Jesus.
Normalmente, em seguida, pulo para Mateus 17,12: “Mas eu digo a vocês, Elias já veio, e eles não o reconheceram. [...] Então os discípulos compreenderam que Jesus falava de João Batista. Esclareço que Elias viveu antes de João Batista, e reforço o entendimento examinando o contido em Lucas 1,13-17: [...] sua esposa Isabel vai ter um filho, e você lhe dará o nome de João. [...] Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus. Caminhará à frente deles, com o espírito e o poder de Elias...
Prosseguindo, alguém pode ler Mateus 16,13-14: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem? Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias, ou algum dos profetas”. Depois pergunto: Por que será que o povo daquela época dizia que Jesus era João Batista, Elias ou Jeremias, ou seja, pessoas que já haviam morrido? Deixo-os debater a passagem por algum tempo e depois acrescento: Não seria porque eles acreditavam na reencarnação? Parece coerente que, se tanto Jesus quanto os discípulos não rebatiam as declarações do povo, eles concordavam que Jesus poderia ser João Batista, Elias, Jeremias ou outro profeta, ou seja, concordavam com a reencarnação.
Esse entendimento sobre a concordância de Jesus e dos discípulos faz sentido porque a reencarnação é um tema extremamente relevante, e, assim sendo, Jesus certamente alertaria sobre o erro de tal entendimento. Chego a supor que, além de proceder aos devidos esclarecimentos, Jesus “daria um tremendo puxão de orelhas em seus discípulos” por estarem repetindo tamanho absurdo; isso se a reencarnação fosse um absurdo ou se não estivesse coerente com os ensinamentos do Nazareno.
Gosto de deixar bem claro para os residentes que acreditam em reencarnação que, segundo alguns pesquisadores, os traços marcantes de nossa personalidade se incorporam à essência de nosso ser, ao nosso espírito. Se isso for verdadeiro, e me parece que o é, a dependência do álcool e das drogas tenderá a se perpetuar ao longo de outras vidas, até que, em algum momento, a pessoa decida por uma recuperação total e definitiva, e, destarte, cumprir mais uma etapa do processo de se tornar perfeito como é perfeito o Pai que está no céu.
Na El Shaday, de vez em quando, aparece “alguém que se diz ateu”. Ele enriquece muito as discussões, especialmente quando tem um nível de escolaridade mais elevado. Neste caso, antes do papo sobre reencarnação, começo tentando corrigir aquele conceito infantil e tradicional de um Deus antropomórfico, sentado lá no céu, premiando uns, castigando outros, e, até mesmo, decidindo um jogo do Vasco e Flamengo. Mas isso é outro tema que, contrariamente ao que pensa a maioria das pessoas, julgo que também deve ser exaustivamente debatido, com lógica e razão, pois não podemos viver e morrer aceitando passivamente como verdadeiras todas as crenças que colocaram em nossas cabeças nos primeiros anos de vida. Se optarmos pela acomodação, é quase certo que seremos julgados também por desídia, e, provavelmente, “aí haverá choro e ranger de dentes”.
(11/2008)