17/10/2012

SEXTA-FEIRA SANTA


Abro o jornal e vejo as manchetes: 2.053 casos de dengue por dia na segunda maior cidade do país. Ministro recomenda evitar o uso de bermudas na cidade das bermudas. A charge do Chico traz: “A banda ‘cara-de-pau-e-cordas’ [Lula, Cabral e César Maia] apresenta a ‘sinfonia do mosquito’”.

“Ainda bem que isso somente acontece na cidade dos outros”, sempre pensamos! Sou forçado a concordar com o Arnaldo Jabor: “Brasileiro é...”. E pela milésima vez me pergunto: “qual a solução”? Há praticamente um consenso de que o caminho está na educação. Educação? Qual educação? Em 1937, Huxley escreveu que milhares de crianças passam milhares de horas ouvindo reprimendas dos professores, e o mundo vai se aperfeiçoando cada vez mais para as guerras. Diria eu, “guerras exteriores” e, o que é pior, “guerras interiores”. É impossível ser diferente, pois fomos preparados para competir, e não para “amar ao próximo como a nós mesmos”; preparados para vencer no passageiro mundo dos homens, e não para sobreviver no eterno Reino de Deus.


Há possibilidades de alguma mudança com o modelo de “educação bancária” criticado por Paulo Freire? “Depositamos” nas cabecinhas de nossos filhos o que aprendemos; nossos filhos irão “depositar” o que aprenderam nas cabecinhas de nossos netos, e, assim, sucessivamente, o “esquemão” vai se perpetuando ao longo dos anos. Nada muda. Nero tocava lira enquanto Roma ardia; os governantes atuais fazem demagogia e campanha política, e todos jogamos no lixo os artigos 48 e 49 da Lei de Responsabilidade Fiscal e o § 1° do artigo 37 da Constituição Federal, enquanto, “ao som da sinfonia de mosquitos”, desgraças acontecem diariamente com nossos irmãos menos favorecidos. Não importa; nada que uma hora de culto semanal e alguma caridade confortável não possa apagar de nossa mente!

A cada dia vou-me tornando mais chato ao repetir que o único caminho possível está na espiritualidade, ou melhor, no correto entendimento dos ensinamentos de Jesus. Um entendimento com razão e lógica, e não com misticismo e fé cega. Um entendimento de que “todos estamos no mesmo barco”, claramente traduzido nas palavras de Jesus na afirmação de que “O Pai e eu somos um”.

Se eu efetivamente acreditar que “O Pai e eu somos um” – em outros termos, no mundo espiritual, eu e você somos um –, eu não vou me sentir confortável com todas as mordomias e roubalheiras de um cargo público enquanto outros, isto é, outras partes do corpo de Deus estiverem sofrendo em corredores de hospitais e sendo picadas pelo mosquito da dengue.

Existem, entretanto, aqueles que acreditam que “irão para o céu”, pois não têm nada a ver com tudo isso que está acontecendo no mundo. “A culpa é dos outros”, conforme demonstrou a pesquisa feita pelo Ibope com 1.400 brasileiros e divulgada em O Globo de 09.03.08. Acho correto defender o meio ambiente, mas compro tranqüilamente o meu 15° par de sapatos. Não me interessa conscientizar-me de que o sapato vem do couro, o couro vem da vaca, a vaca come capim e bebe água, o capim resulta de desmatamento, e desmatamento implica redução da água potável!

Com base no meu catecismo da década de 50, acreditava que ao morrer ressuscitaria no céu conforme aconteceu com Jesus, apesar de todos os meus defeitos que certamente carregarei até a morte! Hoje penso diferente. Ultimamente, andei relendo Mateus 17,10-13, Hebreus 9,27 e 1Coríntios 15,35. Ocorreram-me novas interpretações. Agora penso que existe uma grande diferença entre ressuscitar e reencarnar. Para ressuscitarmos conforme ocorreu com Jesus, devemos estar “perfeitos como perfeito é o Pai que está no céu” (Mateus 5,48) e, desse modo, “O Pai e eu passaremos a ser um”. Se for para sentar ao lado do Pai, tenho que me tornar como criança, e exclusivamente eu sou responsável por essa transformação. E até atingirmos a perfeição – o que está muito longe de acontecer, diga-se de passagem –, vamos ter que reencarnar aqui “nesta escola”.
Meu raciocínio é simples: se aqui estou é porque “meu reino ainda é deste mundo”, ou seja, “esta escola” é compatível com meu estado de evolução espiritual. Desse modo, somente me resta tentar fazer algo para aperfeiçoá-la e simultaneamente me aperfeiçoar, a fim de que quando aqui retornar encontre um mundo melhor, ou reúna condições para ser promovido para uma “escola” mais avançada.

Mas COMO? O como está certamente na interpretação e na prática correta dos ensinamentos de Cristo. Uma interpretação e prática honesta, lógica e racional, voltada para as coisas de Deus, e não para “ajuntar riquezas aqui na Terra”.

Jesus veio para nos mostrar o caminho da salvação. Ao carregar a sua cruz e se deixar crucificar, Ele nos mostrou, contudo, que não se trata de um objetivo fácil de ser atingido, especialmente porque permanecemos embriagados pelas coisas deste mundo há mais de dois mil anos, conforme Jesus disse: "Assumi meu lugar no mundo e revelei-me a eles na carne. Encontrei todos embriagados. [...] Pois vazios vieram ao mundo e vazios procuram deixar o mundo. Mas no momento eles estão embriagados. Quando superarem a embriaguez, então mudarão sua maneira de pensar". Portanto, o primeiro desafio é superarmos a embriaguez pelas coisas deste mundo.

FELIZ PÁSCOA!