A Audiência Pública é um importantíssimo instrumento de gestão democrática, especialmente numa cidade de 100.861 habitantes, que tem um orçamento anual superior a R$ 170 milhões. Conforme o próprio nome diz, “é para ouvir o povo”, mas, neste caso, nem mesmo os representantes do povo foram ouvidos – referimo-nos aos Vereadores e aos membros dos Conselhos Municipais, especialmente do COMUPLAN, que têm por atribuição institucional avaliar e fiscalizar as ações do Poder Executivo.
A Audiência não atendeu ao princípio constitucional da publicidade, se considerarmos que, conforme tudo indica, não se enviaram convites expressos, principalmente, às autoridades dos poderes constituídos (Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público), representantes dos Conselhos Municipais (especialmente ao COMUPLAN), órgãos de classe (OAB, CREA, etc.), partidos políticos, associações (ACIM, CDL, UACEBEM, associações de moradores de bairro, etc.), sindicatos, etc. Ademais, não se deu PRÉVIA e AMPLA publicidade, através da imprensa (televisão, jornais, rádios, etc.), sites da prefeitura e da Câmara Municipal, blogs, etc., ao edital de convocação (se é que existiu!) e aos relatórios que seriam apresentados e avaliados na Audiência.
Desse modo, deixou-se de cumprir também o inciso I do parágrafo único do art. 48 da lei, onde se lê que a transparência será assegurada mediante incentivo à participação popular. Não se incentivou a participação popular, assim como não se preocupou em atender à exigência do § 4º do art. 9º, ou seja, “(...) em audiência pública na comissão referida no § 1º do art. 166 da Constituição ou equivalente nas Casas Legislativas estaduais e municipais”.
Além da demonstração e avaliação das metas fiscais em Audiência Pública, a lei determina ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público (internet), dos planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; das prestações de contas e o respectivo parecer prévio; do Relatório Resumido da Execução Orçamentária e do Relatório de Gestão Fiscal.
Tudo isso, sem contar que as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.
Por não atender ao princípio constitucional da participação popular, a justiça suspendeu a revisão do Plano Diretor de São Paulo. Segundo o juiz, Dr. Marcos Porta, a gestão democrática impõe à prefeitura que (...) “realize campanhas massivas de conscientização e convocação dos munícipes, não só para audiências públicas, mas sim, para promover a sua devida participação no processo administrativo como um todo”.
São necessárias campanhas massivas, porque, parafraseando Jesus Cristo (Mt 13,15), nós nos tornamos duros de ouvido e fechamos os olhos para não ver com os olhos, a fim de não reconhecer que, sem nossa participação ativa, nada muda no processo de gestão das cidades, independentemente de quem se encontre no poder e dos partidos políticos envolvidos.
Pode-se afirmar que a Audiência Pública realizada em 23.02.11 atendeu às exigências da lei? Como proceder para que simulacros de Audiência Pública não tornem a ocorrer no futuro sob “os olhares de quatro populares”, e, principalmente, para que a gestão de nossa cidade se torne efetivamente democrática, conforme previsto no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01)? Certamente, a resposta não está em leis não cumpridas, mas sim, em cidadania e participação – um binômio desafiador, para Líbia e Egito algum botar defeito.
Hoje, 02.03.11, os blogs noticiam o 10º assassinato do ano em Muriaé. O que tem a ver assassinato com Audiência Pública? Metas fiscais se referem a segurança, geração de emprego e renda, moradia, saneamento, meio ambiente, transporte, educação, saúde, esporte, cultura e lazer. Ou seja, refere-se a Plano Diretor (Lei nº 3.377/06), e Plano Diretor se refere à administração da cidade por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade.
A essa lógica “aristotélica”, acrescente-se ainda que para participar é importante se associar, e nas associações formam-se hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público – todos incompatíveis com assassinatos de pessoas e “assassinatos de leis”.